Aceitação

Posso escrever todos os dias sobre o quanto a minha vida mudou nos últimos anos. Posso e devo, para inspirar outros e para me certificar comigo mesma que é real. Uma vez vi uma reportagem com um homem que tinha perdido quase 100 quilos. Era outra pessoa, quase irreconhecível. Dizia ele que o corpo tinha ficado magro, mas a cabeça não. Que frequentemente se desviava de objetos com a distância maior do que então necessitava, pois o seu pensamento era sempre o de não caber ali. Contava também que tinha de levar vários tamanhos de roupa para o provador, pois era muito difícil, de forma consciente, aceitar que vestia menos 10 números do que alguma vez vestiu. Vi aquela reportagem quando ainda não tinha perdido peso e, por isso, não compreendi o que dizia. Hoje percebo perfeitamente. Se vos disser que é com dificuldade que me reconheço em fotografias como esta, acreditam? Acreditem. Ainda dou por mim a ajeitar as calças, para não se ver a banha que já cá não está. Ainda dou por mim a cruzar os braços para esconder as mamas que entretanto foram à vida delas. Ainda dou por mim a duvidar que mudei. Ninguém nos prepara para isto. Para viver num corpo diferente daquele que tivemos durante muitos anos. É todo um processo de autoaceitação e de cuidado muito próprio. É bom, mas dá trabalho e não é sempre linear. A minha esperança é que este texto cause estranheza a quem quer mudar, como eu queria quando vi aquela reportagem. E que, um dia, possam sentir isto, que mesmo sendo estranho, é indescritível.

Deus me Livre do Pilates!

Eu sou uma pessoa tensa, eu sei! A este ritmo não chego a velha, mas não sei ser de outra maneira. Eu gosto de coisas (e pessoas!?) intensas, com vida, com ritmo, com ação. Eu sou assim. Sei que às vezes sou cansativa para os que estão à minha volta e tento refriar-me um pouco, mas há pouco a fazer.

Como treino muito e intensamente, estou sempre toda empenada. Não são lesões, são músculos que se contraem mais do que devem, que precisam de ser frequentemente alongados… E eu tenho pouco paciência para estar naquelas poses, tempos intermináveis a esticar-me toda, apesar de entender a necessidade.

A minha osteopata está sempre a dizer que tenho de me alongar mais, que o meu ritmo de treino assim o exige e que o Pilates me havia de fazer bem. Eu, que não sou de dizer que não a cenas que podem ser boas para mim, lá fui. Para começar, as pessoas já se conheciam todas, não é? Noutros tempos, não conhecer ninguém ia abanar-me, hoje foi só chato.

Bom, vi que estava toda a gente de chinelos, logo a aula devia ser de pé ao léu, e eu de ténis. Pensei: merda, terei os pés em condições?! Tinha. Depois a cena de ir buscar o tapete, pôr a toalha, tudo ordenado, menos eu. Nada novo também. A instrutora, uma simpatia, perguntou quem estava ali pela primeira vez. Lá tive de levantar o braço, não é?

E aquilo começou. Espreguiça dali, espreguiça daqui, a um ritmo que até a minha avó Perna Fina acompanharia. Alonga a lombar, alonga os ombros, alonga o pescoço, alonga tudo, raios me partam. Às tantas, ela fala em peso morto e eu pensei: ah, boa, aqui vou dar cartas. Esqueçam: era um deadlift para budistas! Que seca de gente e de aula!

Lá para o meio, deitada de costas a fazer não sei o quê, caguei naquilo tudo e baixei as pernas. A professora, amorosa, veio perguntar-me se me estava a sentir bem. Eu quis responder: eu estava melhor a fazer burpees, agora imagine o quão entediada estou! Mas só disse que sim e agradeci a preocupação.

Assim que aquilo acabou dei o pisga, não fosse preciso um abracinho amigável e coletivo, com toda a gente descalça, e eu que odeio pés, não ia aguentar tanta proximidade. O que há para reter nisto? Eu tentei. Eu tentei, mas a vida zen não é para mim. Eu sou uma besta, estão a ver? De atirar com pesos e dar socos. É isso.

Colo

Escrevo, e sempre escreverei, com a intenção de ser esperança. Esperança a quem passa por tudo o que eu passei e por isso sei o que custa. A minha voz também é vossa. O que nunca esconderei é que nem todos os dias são fáceis. Fácil é vestir uma roupa gira e tirar uma fotografia num espelho. Fácil é ler as mensagens que me mandam todos os dias, que me alimentam o ego (obrigada). Isso é fácil. Já esta decisão, a ser permanente tal como a desejo, tem dias bons, em que me sinto a maior, e tem outros dias de extremo cansaço, de desmotivação, de quase exaustão. E nesses dias, sabem o que me salva? Estar rodeada das pessoas certas. Aquelas que escolhi, e escolho todos os dias, para estarem ao meu lado. Porque no fim de contas, por muito forte que eu seja, por muito ambiciosa que me apresente, como todos, também preciso de colo. É o colo ponderado que nos embala. Sempre. Esta não sou eu a desistir de nada. Esta sou eu a sair de dias menos bons, a tornar o difícil mais fácil. A tentar ser feliz (durante a maior parte do tempo).

É possível engordar, comendo apenas comida saudável?

Os processos de emagrecimento parecem estar sempre a ser reinventados. A todo o segundo aparece uma dieta mais eficaz, um alimento promissor, um processo milagroso. São como cogumelos. Venenosos. Porque, só há uma maneira de emagrecer: gastando mais calorias do que aquelas que se consomem ou consumindo menos calorias do que aquelas que se gastam. O que se vai fazendo pelo meio pode funcionar com a Tia Joaquina e não resultar com a Prima Amélia e vice-versa. Isto é uma daquelas verdades inabaláveis.

Agora, claro que há uma série de princípios que são do senso comum: os doces, os fritos, os processados, não dão saúde a ninguém. Porém, a vaga da alimentação saudável traz consigo alguns equívocos, que podem ser prejudiciais a uma perda de peso sustentada e eficaz (não rápida!). Vou dar alguns exemplos: o abacate anda nas bocas do mundo. É uma gordura saudável e veio deitar por terra que as gorduras são inimigas da perda de peso. Aceite. No entanto, eu garanto, se comerem tostas de abacate de manhã à noite, talvez não emagreçam assim tanto como desejam.

Quem diz abacate diz frutos secos. Mesmo os que são ao natural. Os frutos secos são uma bomba calórica. Devemos consumi-los, sim, mas com conta, peso e medida. Basta procurarem no Google e verão inúmeras tabelas que mostram as quantidades diárias sugeridas de cada tipo de fruto. O mesmo se passa com a fruta. Sim, a fruta é saudável e tem montes de nutrientes bons, mas para quem quer perder peso, uma peça de fruta por dia é mais do que suficiente. A fruta é açúcar! Estes são apenas alguns exemplos de alimentos que nos podem levar ao engano.

Depois há o flagelo dos light, diet e zero. Já escrevi um texto sobre isto. Estes produtos são criados para serem comprados e para darem lucro, não para nos darem saúde. Por isso, não vão nas histórias das bolachas não sei quê, nem das granolas não sei quantas. Isso é tudo marketing. Neste sentido, ler os rótulos é fundamental. Quanto menos ingredientes tiver um pacote de qualquer cena, melhor. Muito melhor.

E assim de repente, parece-me ser isto. É possível engordar, comendo apenas comida saudável? É. Eu sei que esta minha questão levanta ainda mais dúvidas e deixa as pessoas ainda mais perdidas, mas julgo que, juntos, podemos começar este caminho. O mais importante é termos alguma noção do valor calórico daquilo que comemos e mexermos o bumbum. No fundo, interessa assegurar que gastamos mais do que ingerimos. Esse é o único milagre do emagrecimento. Quem disser o contrário disto, estará a mentir para vos tentar vender alguma coisa. Olhos abertos, minha gente, olhos abertos.

Conseguimos fazer isto sozinhos?

Outra das perguntas que me fazem regularmente, é que tipo de apoio técnico tive para perder o peso todo que perdi. Ao longo da minha vida, e pensando em todas as dietas que fiz, fui conhecendo nutricionistas que me foram passando planos alimentares variados. Regra geral, com todos esses planos eu perdi peso. Porém, embarquei sempre em dietas muito restritivas e, por isso, assim que parava a dieta, engordava tudo outra vez ou mais ainda.

Aos 28 anos conheci a doutora Catarina, a quem sou profundamente grata. A sua página de Facebook anunciava como especialidade o Comportamento Alimentar e eu achei que era isso que precisava de mudar: o meu comportamento perante a comida. A primeira consulta foi duríssima. Pela primeira vez eu contei a alguém o que fazia, como comer enormes quantidades de comida às escondidas e chorei de vergonha.

No início, estas consultas eram semanais e, para além de se ir ajustando o plano alimentar, ia também falando com a doutora sobre o que tinha comido e em que situações. Aos poucos, fomos encontrando um padrão na minha fome: eu comia sempre que estava mais cansada ou me sentia a explodir por alguma razão. Fomos analisando estas questões, eu fui perdendo peso. Este processo começou há quatro anos.

Para além da doutora Catarina, para a alimentação, tive a sorte de entrar numa box de Crossfit – a Crossfit Restelo – que me acolheu de forma irrepreensível. Nunca vi nos olhos de nenhum dos treinadores os olhos que já tinha visto um dia nos ginásios que tinha frequentado. Olharam para mim, reconheceram o meu esforço e ajudaram-me a tornar-me na atleta que sou hoje. O Luís, sobretudo, por ser o treinador que mais se dedicou a esta causa, foi determinante.

Conseguimos fazer isto sozinhos? Eu não teria conseguido, julgo eu. Porque há momentos em que só nos apetece mandar tudo às urtigas e voltar a comer este mundo e o outro. Por isso, estas pessoas foram determinantes para este processo todo e eu sou-lhe eternamente grata. Serve este texto para reforçar que existem bons e maus profissionais em todo lado e grande parte da qualidade deles prende-se, também, com a empatia que criamos ou não.

É fundamental que acreditemos e cumpramos aquilo que nos sugerem, porque essa é a sua especialidade. Para quê inventar? Eu tentei muitas vezes sozinha e fracassei sempre, mas acredito que haja histórias de sucesso diferentes da minha. Mas eu só posso escrever sobre o que me toca e o que me toca é isto: tornamo-nos melhores, quando nos rodeamos dos melhores. E para mim, estes foram os melhores do mundo.

#mudaporti

Tirei esta fotografia há umas semanas. Tinha um dia de praia combinado com amigas e levantei-me mais cedo para treinar em casa. Em casa tenho um elástico, um peso e uma corda. Dá para fazer uma quantidade gigante de exercícios com este pouco material. Mas bom, o que interessa aqui não é isso: o que importa é que esta fotografia mostra um corpo que eu nunca imaginei como meu. Só em sonhos. A barriga, sobretudo! Por causa da barriga que tinha, passei anos sem ir à praia, privei-me de usar o umbigo de fora, quando todas as miúdas o faziam, tive a alcunha de Pote de Banhas… Por tudo isto, e por tantos mais desgostos e inibições que vivi, eu morro de orgulho destes abdominais. São muito mais do que se vê. São a prova mais que provada, a mim mesma, que eu consigo tudo o que quero (e depende de mim). São a materialização da força de vontade que eu tenho. E deste empenho doido, que chega para mim e para mais meio mundo.

Às vezes…

Às vezes tenho medo de ser feliz. Tenho medo desta paz que me invade o corpo, dos pés à cabeça. Às vezes, lamento esta felicidade. Como se não a merecesse. Como se nunca a tivesse desejado. Às vezes, sinto receio. Receio que chegue um vendaval e destrua isto tudo. Esta alegria que tenho e que, dizem, é contagiante. Eu rio com os olhos, com a boca. Eu rio por fora. Rio ainda mais por dentro. Se a minha vida é perfeita? Não. Se eu gostava que este momento durasse para sempre? Amava. Por isso, nada mais me resta que não usufruir. Gozar todo o meu esforço, todo o meu trabalho, tantas as minhas lágrimas. Resta isso, que chega e dá para vender. Talvez até abra uma banca, com o slogan: Vende-se Alegria! Talvez seja um sucesso. Ou não. Será que as pessoas querem realmente ser felizes? Será? Talvez também tenham esse medo, como eu. Mas só às vezes. Noutras, permito-me SÓ a ser tudo o que sempre desejei.

É a única coisa que invejo!

A única coisa que eu invejo verdadeiramente em alguém, é essa pessoa poder comer tudo sem engordar. Eu já escrevi que gosto muito da comida que como hoje em dia, que não vivo em sacrifício, mas a minha vida não é um regabofe alimentar. Nada disso. Apesar de tentar controlar os meus sentimentos em relação à comida, tenho sempre aquela sensação de perceber se o que estou a comer é uma boa opção ou não. Porque a verdade é só uma: ou sou regrada ou chapéu. Por isso eu gostava de saber como é comer sem se preocupar com os efeitos que essa ação terá. Um bocadinho como as pessoas que compram as coisas que querem sem olhar para a etiqueta do preço (essa sorte eu também não tenho). Eu nunca vou conhecer essa sensação, porque nós somos sempre (também) a nossa história. Só me resta acreditar que há desvantagens em poder comer tudo o que se quer, que assim estou a cuidar mais de mim e blá, blá, blá. Isso tudo. Isso e uma petição para que essas pessoas ardam no inferno.

Não temos sempre de ir ao nosso limite!

Às vezes sentimo-nos na obrigação de ir sempre até ao limite. Eu sou muito assim: quero sempre conseguir mais e melhor de mim própria. E esse pode ser um risco perigoso de pisar. Porque às vezes, o limite é o cansaço e a exaustão. No trabalho, no treino, na vida. 

As últimas semanas foram loucas, por isso, este fim de semana decidi parar e passar as horas na praia com amigas. Foi o melhor que fiz: mergulhar, apanhar sol, dizer disparates, comer comida boa, de saborosa, mesmo que não entre no plano assim à partida.

Porque sabermos parar é sabermos ser amigos de nós mesmos. É perceber que somos humanos, que nos cansamos e que precisamos de descansar, como qualquer pessoa. Não é sinal de fraqueza, nem de desleixo. É sinal de que se é humano, de que se vive e não se sobrevive, o que é completamente diferente.

Ir ao limite todos os dias é parvo. Pessoalmente, sinto muito isso no treino. Todos os dias vejo gente a querer ultrapassar o seu último recorde de peso ou o de outra pessoa. Ou a querer fazer mais rondas, ou a querer ser mais rápido. Eu sou muito competitiva e jogo sempre para ganhar, mas há dias em que não consigo mais.

Nesses dias o empenho é o mesmo, mas não me obrigo a bater nenhuma pontuação e faço as coisas mais devagar ou com menos peso. Não deixo de fazer, mas não me obrigo a cair para o lado. O mesmo acontece nos eventos sociais, por exemplo. Saber dizer que não, que quero ficar em casa, que preciso de descansar… É necessário.

Ir ao limite, de vez em quando, sair da zona de conforto e sentir que nos estamos a superar, alimenta-nos o ego e faz-nos crescer. Mas nem sempre, nem nunca. Porque ninguém aguenta, nem tem de aguentar, viver sempre a 300%. Não há necessidade. Faz mal. Envelhece. Não é parar. É saber desacelerar.