Agora, quando chove, e eu tenho de me enfiar num carro e conduzir, o meu coração quase salta do peito. Tenho de respirar fundo três vezes e perceber que muito dificilmente o universo conjugará de novo todas aquelas infelizes circunstâncias. E ainda bem. A madrugada de 7 de setembro ficará para sempre gravada na minha memória. Este foi o texto mais lido de sempre.

“Ontem foi a pior noite da minha vida. Tinha jantado bem, em boa companhia. Tinha rido muito e, como sempre, tinha abusado apenas de limonada. Peguei no carro com a certeza que teria uma condução segura: estava a chover e eu estava a sentir o chão muito escorregadio.

Comigo, no carro, vinha a minha amiga Filipa. Vínhamos a falar alegremente dos nossos alunos. De repente, uma carrinha de caixa aberta bateu violentamente contra o meu carro e fez-nos dar inúmeros peões na auto-estrada. A Filipa e eu gritámos muito e achámos que o carro se ia virar ao contrário. Eu, não sei bem como, consegui parar o carro, que ficou atravessado no meio da estrada. Quem nos bateu não falava português. A Filipa entrou em pânico e eu chamei o 112. Apesar da estrada estar muito movimentada, eu ganhei coragem e saí do carro. Quis vestir o colete e colocar o triângulo.

Os carros continuavam a passar por nós e eu tentava perceber se estávamos bem. Minutos depois, uma segunda carrinha voltou a bater contra nós a toda a velocidade. O meu carro voltou a rodar pela estrada e, desta vez, só parou quando se enfaixou contra o separador central da estrada e a primeira carrinha. Eu e a Filipa ficámos presas dentro do carro e tememos o pior. Achámos que outros carros nos voltariam a bater e que acabaríamos esmagadas dentro do meu carro, então desfeito.

Nesse momento, apareceram pessoas que vinham a passar na estrada e nos ajudaram a manter a calma. Ajudaram também a que mais nenhum carro nos batesse, pondo-se no meio da estrada, com coletes, a parar o trânsito. Foram incansáveis! Veio o INEM, a polícia e os bombeiros. Um filme de terror. E eu e a Filipa presas no carro. Os socorristas do INEM explicaram-nos que os bombeiros teriam de cortar o carro para nos tirar dali. O meu carro, o meu querido carro, estava partido ao meio. Cada movimento que faziam fazia-nos gritar, com o terror de quem espera um novo embate.

Fomos imobilizadas e levadas para o hospital. Seguiram-se inúmeros exames. Havia a possibilidade de termos lesões na coluna. Durante as horas que passámos no hospital, não houve médico, enfermeiro, auxiliar, técnico de exames e polícia, que não nos tratasse bem. O acidente foi por volta da 1:00 da manhã e só descansámos perto das 8:30. Nada de pior nos aconteceu, além de fortes dores no corpo todo e muitas nódoas negras. O meu carro não ficou para contar a história! Pobre fim o dele. Recebi-o, com tanto amor, no dia em que fiz 21 anos, no dia 21. “É só um carro”, disse toda a gente.

Eu e a Filipa não temos como agradecer a todas as pessoas que nos ajudaram, sobretudo, à equipa que tratou das duas durante toda a noite, no Hospital de Santa Maria. Obrigada. Obrigada, também às nossas famílias, que tentámos poupar enquanto pudemos, e aos nossos amigos Joana e Sérgio, que vieram ter connosco no minuto em que os chamámos.

Eu e a Filipa vimos a nossa vida por um fio. Tivemos muito medo. Eu repeti vezes sem conta: eu não tive culpa, eu não tive culpa. E não tive: eu vinha na minha mão, devagar, não tinha bebido nada, e mesmo assim a estrada quase nos matou. Tenham cuidado! Como diz a minha mãe: os carros são máquinas que matam.

Agora é recuperar: o corpo, mas, sobretudo, a alma.

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