Mês: agosto 2017

Não ia dar!

Ia eu de comboio com o meu irmão, num intercidades, quando vejo entrar um gatinho como ele só: alto, barbudo, com braços fortes. Do meu agrado, portanto. Sentou-se no banco ao lado do meu. Meu irmão roncava que nem um porco. Uma senhora jogava um jogo demasiado sonoro no seu smartphone e eu nada mais tinha para fazer senão olhar para o gatinho, pelo canto do olho. Às tantas, o felino, de quase dois metros, fez uma chamada e disse: Gorducha, já estou no comboio. Devo chegar por volta das 20:30. Vou logo ter contigo, ok? E eu fiquei ali num misto: olha que fixe, que namorado tão fofinho e cheio de saudades e quê. Mas o nickname gordurcha… Ui! Nada contra. Até porque a miúda, provavelmente, era tudo menos gorducha e aquela alcunha assentava mesmo numa fofice pegada, mas comigo não ia dar à mesma. Tinha de ser qualquer coisa do género: Olá, miúda gira, estás bem? Já estou no comboio, devo chegar por volta das 20:30. Vou logo ter contigo, ok? Vamos treinar, não vamos? Compraste batata doce? Perfeito! Eu tomo o meu pré-treino quando estiver mesmo a chegar, sim? Sim, sim, leva a proteína para depois, que hoje vamos arrastar-nos naquela box, não vamos? E depois havia um grunhido, tipo caveman, só para mostrar a força do bicho. Era isto. Pronto, está bem, eu estou a exagerar (muito). Menos na parte da gorducha. Gorducha não ia idar!

Que a vida…!

 Que a vida siga, como deve seguir.
Que a vida sorria, como deve sorrir.
Que a vida ensine, como deve ensinar.
Que a vida brilhe, como deve brilhar.
Que a vida magoe, como deve magoar.
Que a vida perdoe, como deve perdoar.
Que a vida melhore, como deve melhorar.
Que a vida seja (bem) vivida, todos os dias, até se morrer.

Avô Ramiro

Andei os últimos dias a maldizer o fim das férias e a refilar por não me apetecer voltar ao trabalho. Mal eu sabia o que a vida me tinha destinado. Ontem, perdi o meu avô Ramiro. O meu avô paterno, casado há 58 anos com a Perna Fina mais pura do mundo, que neste texto isso nada interessa (ou até interessa um pouco).

O meu avô era um senhor. Um senhor que se orgulhava de dizer que nunca deveu um tostão a ninguém, a não ser na época em que veio para Lisboa e pediu fiado para a única refeição do dia. Um senhor sempre muito bem arranjado, que nunca deixou que um barbeiro lhe cortasse o cabelo, que nunca usou sapatos sem ser de sola, que sapatos de borracha não eram de homem.

O meu avô Ramiro não via mais nada que o filho, o meu pai, os netos e a minha mãe, por quem tinha um grande carinho. Nós éramos perfeitos a todos os níveis: os mais bonitos, os mais espertos, os mais capazes. Ai de quem ousasse questionar a nossa perfeição!

O meu avô Ramiro estava internado desde abril. O coração dele aguentou quase tudo, menos o embalo do último sábado. O meu avô morreu ontem, depois de, no domingo e ainda que inconsciente, ter ouvido a voz do meu pai, da minha mãe, a minha, a do meu irmão e a de um grande amigo seu, que cuidou dele em Coimbra, durante todo o tempo em que esteve internado. Ele estava só à espera de se despedir, para depois se ir embora. E foi.

Ontem e hoje, durante o velório e o funeral, não houve quem dissesse o contrário: o Ramiro era um homem bom, educado, que gostava da família e dos amigos. Até o céu lhe chorou a morte. Restam as lembranças, que são as minhas, do meu avô Ramiro.

Carta para a Joana dos 21

Olá, Joana,
Parabéns! 21 anos, ãh? Estás a ter um bom dia? Não estavas à espera de receber um carro, pois não? Grande presente! Prepara-te para dar muitas boleias, para lhe fazer alguns riscos e para quase morreres dentro dele. Não te assustes! Vai ficar tudo bem, mas esse teu carro não vai ter um bom fim, digo-te eu. Eu, que és tu, mas com 31.

Escrevo-te esta carta para te dar ânimo. Eu sei que precisas de ânimo na tua vida, não é verdade? Foste à praia hoje? Não, pois não? Mas com 31 irás e garanto-te: vais achar-te uma brasa. Sem nenhuma modéstia, mesmo! Não percebes como é que isso vai acontecer? Eu explico.

Durante estes 10 anos conseguirás muitas coisas: serás a professora que desejas ser e ajudarás muitas crianças a escrever, a ler e, sobretudo, a serem pessoas confiantes e felizes. Vais ser uma professora feliz, acredita! Não trabalharás sempre no mesmo sítio e esse processo vai dar-te algum trabalho, mas mudarás para melhor.

Terás alguns quase amores e alguns desamores. Esta parte vai doer, prepara-te. Vais achar, a certa altura, que não faz mal que não te peçam em casamento como sonhas, vais achar que não tem assim tanta importância não seres estimada como mereces… Não sejas tonta! Não vais ser, vais acordar a tempo e safar-te disso. Atenção aos papéis que assinas! Ai, terás muito trabalho nesta parte!

O teu corpo sofrerá muitas transformações. Serás loura, morena e ruiva. Usarás franja outra vez e vais ficar gira assim. Vais engordar e emagrecer muitas vezes e comer às escondidas acontecerá mais vezes do que gostarias. Serás obesa. Vão dizer-te isso com todas as letras e tu chorarás muito por causa disso. Farás muitas dietas, passarás muita fome. Nada disso vai resultar. Desculpa a frontalidade!

A tua vida vai começar a mudar quando decidires cuidar de ti, de dentro para fora. Quando aumentares o teu amor-próprio e não te permitires a mendigar atenção de ninguém. A tua alimentação mudará drasticamente. Leite e pão deixarão de fazer parte da tua vida! Sério! E sabes o mais espantoso? Serás uma atleta incrível! Ao contrário de tudo o que sempre te disseram, serás capaz de correr, saltar, fazer flexões e agachamentos como se não houvesse amanhã. Vais perder muito peso, mas mais do que isso: vais ganhar um mundo novo de coisas, pessoas e vivências que nunca mais deixarão que voltes ao que eras. Estima essas pessoas. Elas vão querer-te bem.

Joana, os próximos 10 anos vão trazer-te muitas coisas boas, outras nem tanto. A certa altura, vai parecer que não vale a pena o esforço, mas é aí que terás de continuar. As pessoas esperarão isso de ti. Será essa a tua promessa: continuar sempre. Que pessoas? As pessoas que te lerão todos os dias. Terás um blogue. No início, será só um exercício de escrita curativa. Depois, perceberás que a tua história é igual a muitas outras histórias. As pessoas vão identificar-se contigo e tu serás responsável por lhes dar esperança. Sim, tu, que não tens esperança nenhuma em ti.

Joana, prepara-te para o que aí vem e lembra-te: aos 31 vais sentir que valeu muito a pena e nada mais te vai interessar que não continuar a cuidar de ti e dos teus. Quase nada te abalará a fé e a felicidade que trazes no peito e esse será o presente mais valioso desse teu dia de aniversário. #confia (Depois vais perceber isto!)

Continua!

Se as pessoas que não são assim tão tuas amigas te disserem que estás demasiado magra ou muito musculada ou que andas a treinar demais e a comer de menos, não lhes ligues. É só o medo delas a falar. O medo de que fiques mais forte, mais rápida e mais capaz do que alguma vez sonharam. É nessa altura que vais ter de te agarrar a tudo o que construíste, fechar olhos e dizer a ti mesma: continua!

Deitei a balança fora!

Durante anos, pesei-me todos os dias. Todos, sem exceção. Eu passei muita fome por opção. Queria ser magra, a qualquer custo. Todos os dias me pesava na esperança de ter menos uns gramas. Às vezes tinha, outras não. O peso pode variar por muitas razões: se fomos ou não à casa de banho, se comemos mais ou menos na noite anterior, se estamos prestes a menstruar… Por isso, pesar-me todas as manhãs nada mais me dava de que a obsessão de qualquer coisa muito difícil de gerir, emocionalmente falando. Eu queria pesar 55 quilos. Esse sempre foi o meu objetivo. Já tinha pesado mais de 80, portanto a meta era ambiciosa. 55 era o número que eu queria. Porque gosto de números. Porque gosto de planear partes da minha vida com base nos números. Quando comecei as consultas de reeducação alimentar, a balança foi um tema. Não me podia pesar todos os dias, para bem da minha saúde mental. Não podia, mas nem sempre cumpria. Eu queria os 55, bolas! Um dia, em desespero, cheguei a casa e pus a balança no lixo. Achei que não havia outra solução e foi remédio santo. No último ano pesei-me duas vezes, no gabinete de estética onde faço as massagens. Pesei 59 kg. Aquele número pouco me disse: primeiro, porque tirei os números do peso da cabeça. Depois, porque estou muito satisfeita com o estado do meu corpo ao dia de hoje, independentemente do peso que carrego. Eu deitei fora a balança e aconselho todos os que querem perder peso a fazer o mesmo. Pesem-se nas consultas, se as fizerem, na farmácia, de quando em vez e está bom. Há números relativos à nossa saúde muito mais importantes do que o número do peso. Sobretudo quando esses dígitos são responsáveis por nos destruir a cabeça, chegando mesmo a poder constituir um atraso na perda de peso (em vez de promover o contrário).

Um mau ímpar, nunca pode ser um bom par.

Contra mim falo. Andei anos à procura de alguém que me fizesse sentir bem, sentir melhor comigo, com os meus pensamentos e com o meu aspeto. Estava sempre à espera da aprovação do outro, quando por dentro tudo, ou quase tudo, era muito negro. Eu não era um bom ímpar. Assumo isso com a certeza de que a culpa do fim das minhas relações também foi minha. Não só, mas também. Porque um mau ímpar, nunca pode ser um bom par! Acho que é também por isso que tanta gente mantém relações infelizes. Procura no outro aquilo que lhe falta, numa espécie de complemento. Eu fiz isso muitas vezes [quase sempre]. O resultado? Frustração. Muita. Como é que eu podia estar à espera que a minha felicidade dependesse, exclusivamente, de outra pessoa? Nesse sentido, este caminho que tenho feito tem-me ajudado muito a pensar sobre as razões que nos levam ou não a dividir a vida com alguém. Que direito temos de exigir a outra pessoa que nos complete? Que nos dê o que nos falta? E se ao outro também faltar qualquer coisa? E se nós também não formos capazes de corresponder? Não digo que tenhamos de ser todos perfeitos e sãos. Há gente assim? Mas digo que cada um tem de conseguir estar sozinho, sentido-se inteiro e percebendo que faz tudo o que está ao seu alcance para ser feliz, independentemente de quem chega ou parte da sua vida. Porque aos meus olhos, ter alguém na vida não pode significar menos do que um aumento de felicidade, àquela que já trazemos dentro do peito. Um acréscimo, não um depósito em saldo negativo. Ao dia de hoje, não tenho nenhum medo da solidão amorosa. Mantenho-a com a certeza de que nestes últimos anos me tornei um ímpar muito mais completo, cheio de avanços e recuos, mas com a convicção plena de que há assuntos que não se podem deixar em mãos alheias. Para o meu [nosso] próprio bem.

Eu nunca fui!

Eu nunca fui a mais gira.
Eu nunca fui a mais esperta.
Eu nunca fui a mais elegante.
Eu nunca fui a mais bem vestida.
Eu nunca fui a mais festiva.
Eu nunca fui a mais desejada.
Eu nunca fui uma série de coisas.
Algumas continuo a não ser.
Outras nunca serei.
E está tudo bem!

O mais importante foi ter aprendido que, mesmo não sendo a mais num sem número de coisas, eu sou mais eu, que é o que mais me interessa.