A Esperança era uma jovem mulher, que vivia nos arredores de Lisboa. Tinha 20 e poucos anos e estava a terminar os estudos superiores na área da comunicação. Quem a conhecia estranhava a escolha do curso. A Esperança era uma miúda tímida, que facilmente passava despercebida. A família e os amigos não percebiam como seria capaz de se afirmar num mundo em que imperava a imagem e a presença. Mesmo assim a Esperança seguiu a sua vontade e terminou o curso.
A Esperança era também muito organizada e metódica. Ainda durante os estudos tinha passado horas a pesquisar empresas de comunicação que lhe interessavam e no último ano tinha enviado centenas de currículos. Em meados de maio, recebeu a chamada que tanto esperava. Tinha encontrado o seu primeiro emprego. Não era estupidamente bem pago, mas era uma boa escola. A Esperança estava muito entusiasmada com a oportunidade e no primeiro dia de trabalho já estava à porta da empresa uma hora antes do previsto. Toda a gente a recebeu bem e os primeiros meses passaram a correr.
Havia, porém, uma parte da vida da Esperança em que não pensava muito. O amor. Tinha tido uma paixão avassaladora começada na escola secundária, que não tinha acabado da melhor maneira. O desgraçado deslumbrou-se com o início da vida académica e varreu, na mesma noite, uma quantidade considerável de caloiras. O filho da mãe jurava a pés juntos que não se lembrava bem da noite em questão, mas as fotografias no seu telemóvel mostravam mais do que a Esperança gostava de imaginar. Desde essa altura que ela não confiava em gajo nenhum.
Saía pontualmente com alguns colegas, amigos de amigos, divertia-se, tinha boas conversas, mas nada neles a fazia apaixonar-se perdidamente. E, apesar de negar, um grande amor era tudo o que queria. Então, era no trabalho que se focava, quase como se as letras e as imagens que via no portátil não a fizessem pensar no desamor que tinha vivido. Um dia viu entrar pela porta da empresa um rapaz que devia ter a mesma idade que ela. Talvez fosse um pouco mais velho, não tinha a certeza. Ele era alto, muito moreno e o olhos eram cor de avelã. Tinha um sorriso rasgado, que lhe marcava duas covinhas amorosas nas bochechas. Era lindo.
A Esperança ficou pasmada com o à vontade de rapaz. Tinha acabado de chegar para uma vaga de alguém que se tinha despedido e falou a todos como se os conhecesse desde sempre. Toda a gente estava animada com a chegada dele. Sobretudo o mulherio. Para a Esperança, ele representava toda a expressividade e vida que ela não tinha ainda, apesar de todos os esforços nesse sentido. A Esperança não dormiu nessa noite só a pensar nele.
Os dias passavam e ele continuava a mostrar-se educado, expansivo e amável com todos. Aos olhos da Esperança ele tornava-se cada vez mais encantador. Sempre que se deitava, imaginava como seria sair com ele, namorar com ele, casar com ele, ser velhinha com ele. E sentia-se ridícula por tudo isso, mas não conseguia evitar tais pensamentos. Passavam-se meses e a Esperança nunca teve coragem de lhe dizer mais do que um Olá ou Adeus. Talvez ele até tivesse namorada… Como seria ridículo convidar alguém para sair, sendo essa pessoa comprometida!
Os dias acabavam, as estações mudavam e a Esperança continuava a ser uma profissional competente, uma boa filha e uma amiga preocupada. Um dia, num jantar de amigos, a Esperança conheceu um rapaz comum, que a convidou para sair. Ela aceitou e sentiu que havia alguma química entre eles. Começaram a namorar e um ano meio depois casaram, numa cerimónia simples e com poucos convidados. Nesse ano a Esperança foi promovida a coordenadora do seu departamento. Tinha uma vida boa, que melhorou quando engravidou do primeiro filho. Um rapaz. Quando regressou ao trabalho tinha um postal na sua secretária, dando-lhe os parabéns pelo nascimento do filho. Era Dele. O coração da Esperança quase lhe saltava pela boca.
No final do dia, foi buscar o filho e reparou como nunca antes nas covinhas amorosas que fazia nas bochechas sempre que se ria com vontade. Nesse momento pensou que dali a alguns anos, aquele seu filho iria arrebatar o coração de alguém e sentiu algum ciúme dessa rapariga. Seria mais corajosa do que ela? A Esperança adormeceu o filho a pensar em como teria sido a sua vida se um dia se tivesse levantado da sua secretária e dito: Ei, bem-vindo. Eu sou a Esperança. Se precisares de alguma coisa…